Redação
O Ministério Público de Contas (MPC) apresentou aditamento à Representação 16049/2019, em tramitação no Tribunal de Contas do Estado do Espírito, sobre possíveis irregularidades decorrentes de duas contratações sem licitação firmadas de maneira emergencial pela Prefeitura de Iúna, no exercício de 2019, para prestação de serviços de transporte escolar, as quais envolvem fraude à licitação e superfaturamento, entre outras impropriedades.
Após o detalhamento dos fatos e dos indícios de irregularidades pelo MPC, o relator do caso, conselheiro Domingos Taufner, decidiu pela admissão da representação e enviou o caso para a devida instrução por parte da área técnica da Corte de Contas, conforme decisão publicada no Diário Oficial de Contas da última segunda-feira, dia 13.
O MPC destaca que a documentação trazida inicialmente pelo controlador-geral do município e os novos documentos juntados, a partir de solicitação do órgão ministerial, permitem delinear ao menos quatro irregularidades graves, as quais podem indicar dano aos cofres públicos de aproximadamente R$ 2 milhões: ausência de planejamento e inobservância ao dever de eficiência, com reflexos no arquivamento de licitação e na criação de situação de emergência; orçamento deficiente e superfaturamento no contrato emergencial 06/2019; fraude ao procedimento licitatório 1782/2019; e infringência aos requisitos legais para a realização de duas dispensas de licitação consecutivas, com o não cumprimento do limite temporal de 180 dias previsto na Lei de Licitações.
Falta de planejamento
Para evitar o arquivamento do caso sem a devida análise, como havia proposto a área técnica do TCE-ES em manifestação apresentada nos autos, ao emitir parecer no caso, o MPC se propôs a assumir a autoria da representação e detalhou as irregularidades a serem analisadas.
Quanto à ausência de planejamento e inobservância ao dever de eficiência, com reflexos no arquivamento de licitação e na criação de situação de emergência, o órgão ministerial destaca que, ao longo do exercício de 2019, o serviço de transporte escolar no município de Iúna foi prestado em decorrência de dois contratos emergenciais firmados pela prefeitura com a empresa A G Turismo & Locação de Veículos Eireli. A situação poderia ter sido evitada pelo gestor, se tivesse prorrogado o contrato administrativo 68/2016, relativo ao Pregão Presencial 15/2016, celebrado com a mesma empresa, pois ele ficou vigente por 29 meses, mas poderia chegar a 60 meses, por se tratar de serviço contínuo.
No entanto, optou-se, sem justificativa, conforme assegurado pelo atual prefeito do município, Romário Batista Vieira, pela não prorrogação do contrato 68/2016 para vigência no ano de 2019. Em resposta ao ofício do MPC, ele afirma que a Secretaria de Educação de Iúna tinha ciência do vencimento do referido contrato e relata a tramitação do procedimento interno da prefeitura visando à instauração de processo licitatório para a contratação de serviços de transporte escolar, iniciado em dezembro de 2018, suspenso em janeiro de 2019 e arquivado definitivamente em março de 2019.
Conforme apontado na representação, sem a prorrogação do contrato em vigor até 31 de dezembro de 2018, a prefeitura instaurou procedimento de dispensa de licitação em 17 de janeiro de 2019, um dia após suspender temporariamente o processo interno visando à realização de licitação dos serviços de transporte escolar, sob a alegação de que não daria tempo de concluir o certame até o início do ano letivo, em fevereiro. Esse procedimento foi arquivado sem explicações e um novo procedimento licitatório foi aberto somente em maio de 2019, o qual também acabou revogado.
Devido à falta de planejamento, o município efetuou nova contratação emergencial da empresa A G Turismo & Transportes Eireli, em agosto de 2019, depois de três processos de dispensa de licitação fracassados, o que levou cerca de 1,2 mil alunos a ficarem sem transporte escolar por mais de um mês. A regularização do serviço só ocorreu efetivamente em dezembro de 2019 e, em janeiro de 2020, a mesma empresa venceu novo processo licitatório para transporte escolar do município de Iúna.
Na avaliação do MPC, “a falta de planejamento das contratações, a infringência ao dever de licitar, a ineficiência e a desídia no trato da coisa pública derivaram de condutas de elevado grau de negligência, imprudência e imperícia, qualificando, destarte erro grosseiro”.
O órgão ministerial enfatiza que o prazo máximo de 180 dias é suficiente para a conclusão de qualquer procedimento licitatório minimamente planejado, o que não ocorreu nesse caso, levando o município a efetuar duas contratações emergenciais consecutivas no exercício de 2019, ambas com a mesma empresa especializada na prestação de serviço de transporte escolar. Nesse ponto, o então prefeito do município, Weliton Virgilio Pereira, e o então secretário municipal de Educação, André Luiz Ferreira, são apontados como responsáveis.
Superfaturamento
Outra irregularidade destacada é o orçamento deficiente e superfaturamento do Contrato Emergencial 06/2019, em vigor de 05 de fevereiro a 15 de julho de 2019, cujo valor com aditivos chegou a R$ 5.729.101,30. O superfaturamento decorre da ausência da devida pesquisa de preço no procedimento de dispensa de licitação, uma vez que o valor estimado no Processo Administrativo 4503/2018 para todo o ano de 2019 era de R$ 5.859.139,86.
“A incompatibilidade do orçamento construído para a dispensa de licitação salta aos olhos. Para 12 meses, a Administração Pública, após ampla pesquisa de preços, orçou a contratação no valor de R$ 5.859.139,86. De outra banda, para a dispensa, que teria vigência máxima de 180 dias, o valor orçado alcançou a quantia de R$ 5.930.612,78”, ressalta o MPC. O contrato acabou sendo firmado no valor inicial de R$ 5.363.907,61 e chegou a R$ 5,7 milhões após dois aditivos.
Para evidenciar a incompatibilidade dos preços orçado e contratado, o órgão ministerial destaca que a segunda contratação emergencial, firmada em agosto de 2019, decorreu de dispensa de licitação com orçamento no valor de R$ 2.459.524,02, a partir da qual foi celebrado o contrato 99/2019 com a empresa A G Turismo.
Na peça inicial, o setor de Controle Interno de Iúna apontou a possibilidade de prejuízo ao erário de aproximadamente R$ 2 milhões de reais, considerando que o município deixou de prorrogar o contrato em vigor, cujo valor anual aproximado era de R$ 7 milhões, para celebrar um contrato emergencial com a mesma empresa que prestava o serviço pelo valor aproximado de R$ 5,5 milhões, para o período de seis meses.
O valor do contrato emergencial do primeiro semestre de 2019 era equivalente a 77% do valor gasto durante todo o ano de 2018 pela Prefeitura de Iúna com os serviços de transporte escolar, de acordo com o Controle Interno do município.
Fraude à licitação
Também foram apontados na representação indícios de fraude ao procedimento licitatório 1782/2019, no qual, conforme narrado nos autos, teria ficado demonstrada a continuidade do esquema fraudulento verificado em auditoria realizada pelo TCE-ES (Processo 8980/2016) nos serviços de transporte escolar de Iúna entre os anos 2013 a 2016.
De acordo com a representação, a empresa A G Turismo & Locação de Veículos Eireli simulou competição com a empresa Escolar Turismo e Locação de Veículos Ltda, pois foi identificado que a procuradora da primeira empresa, Jane Kelli Vieira Amorim, era também sócia da segunda concorrente. Ela assinou diversos documentos em nome das duas empresas durante a fase de habilitação do procedimento licitatório, incluindo o atestado de capacidade técnica da empresa Escolar Turismo e Locação de Veículos, emitido pela empresa A G Turismo & Locação de Veículos Eireli.
Além da representante em comum, os valores apresentados pelas licitantes superaram em mais de 40% os estimados pela prefeitura, alcançando até 65% de sobrepreço em alguns casos, fatos que levaram o município a inabilitar as duas empresas na licitação e, em seguida, a revogar o Pregão Presencial 32/2019 (Processo Licitatório 1782/2019), em agosto de 2019. A revogação do certame, entretanto, não exclui a ocorrência da prática fraudulenta, esclarece o MPC.
Embora não haja menção a este fato na documentação do referido procedimento licitatório, informações levantadas pelo MPC demonstram ainda que, à época da licitação, o sócio majoritário da empresa Escolar Turismo era o senhor Thales de Oliveira Machado, filho do proprietário da empresa A G Turismo, Weverton Machado Bastos, “de modo que a concorrência idealizada no Processo Licitatório 1782/2019, na prática, teria sido forjada entre pai e filho”. Assim, o órgão ministerial conclui que a parceria entre as empresas A G Turismo & Locação de Veículos Eireli e Escolar Turismo e Locação de Veículos Ltda. teve como objetivo simular competição no Processo Licitatório 1782/2019 e vincular o objeto licitado com preço superfaturado, o que configura fraude à licitação, conforme previsto no art. 90 da Lei de Licitações e Contratos (Lei 8.666/93).
Diante da gravidade dos fatos, o Ministério Público de Contas pede ao TCE-ES que declare a inidoneidade dessas duas empresas para participar de licitação na Administração Pública estadual e municipal, por até cinco anos, assim como represente ao Poder competente a respeito da irregularidade destacada, já que, em alguns aspectos, ela ultrapassa o âmbito de atuação da Corte de Contas.
Da mesma forma, pede a aplicação aos responsáveis das penas de multa e de inabilitação para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança por até cinco anos, bem como seja a representação julgada procedente, com a condenação dos responsáveis ao ressarcimento do erário de Iúna em montante a ser devidamente apurado.
Auditoria
O Ministério Público de Contas também emitiu parecer no Processo 8980/2016, que se refere a uma auditoria realizada na Prefeitura de Iúna com o objetivo de verificar a contratação de empresa para prestação de serviços de transporte escolar no município entre os exercícios de 2013 a 2016, assim como averiguar a execução dos respectivos contratos firmados pela municipalidade, especialmente quanto aos preços praticados.
A equipe técnica identificou indícios de ilegalidade que teriam sido praticados por servidores municipais e empresas licitantes, com vistas a fraudar o procedimento licitatório realizado pela Prefeitura de Iúna para a contratação de transporte escolar nos exercícios de 2013 a 2016.
O parecer ministerial conclui pela manutenção de quatro irregularidades (fraude de procedimento licitatório; ausência de orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários; ausência de divisão das linhas em lotes; e previsão de cláusulas restritivas em edital de pregão presencial); pela aplicação de multa individual aos responsáveis no valor proposto de R$ 100 mil; pela aplicação da pena de inabilitação por até cinco anos aos agentes públicos indicados nas irregularidades; que o TCE-ES declare a inidoneidade da empresa A G Turismo & Locação de Veículos Eireli e da empresa Cooperativa de Transporte Sul Serrana Capixaba (CoopeSerrana) para participar de licitação na Administração Pública estadual e municipal por até cinco anos.