A colonização em Alfredo Chaves foi amplamente italiana e o distrito de São Bento de Urânia com maior presença do dialeto vêneto no Espírito Santo. Isso pode ser constado em uma recente pesquisa para uma dissertação de mestrado pela Faculdade Federal do Espírito Santo (Ufes), desenvolvida pela professora alfredense de língua portuguesa, Katiúscia Sartori Cominotti. Neste trabalho, ela destacou o distrito de São Bento de Urânia, que fica a 40 km da sede de Alfredo Chaves, com maior presença do dialeto, de origem italiana, em terras capixabas.
Para o desenvolvimento do trabalho, a professora conta que foram entrevistadas 90 pessoas da região, entre quatro e 50 anos ou mais de idade. “Escolhi São Bento de Urânia por ser um distrito colonizado somente por italianos. Ao contrário de outros locais do Estado colonizados por italianos, lá o português se adaptou ao vêneto”, conta.
Segunda ela, os primeiros moradores do distrito só falavam o idioma por anos. “Depois que começou a chegar os portugueses é que as pessoas foram mudando o hábito de falar”, explica.
De acordo com a pesquisadora, por viverem isolados por anos, o dialeto se mantém até hoje no distrito, mas vem se perdendo com o tempo. A grande causa da mudança da linguagem, segundo a pesquisa, é o bullyng sofrido pelos mais jovens nas escolas. “Eles falavam o dialeto durante suas conversas e as pessoas achavam estranho. Inibidos, os moradores mais jovens foram deixando de usar. Muitos conhecem mais não falam. Na pesquisa, os entrevistados apontaram a escola como principal causador do não uso do dialeto”, conta.
Cominotti lembra que na década de 20, o então presidente da República, Getúlio Vargas, proibiu o uso de qualquer outro idioma no território brasileiro. Os imigrantes estavam proibidos de falar sua língua mãe. “Dessa forma, os pais e avós deixaram de falar em italiano com os filhos e netos. Isso também aconteceu em São Bento de Urânia, os mais velhos só falavam entre eles, não replicavam a língua aos mais novos com medo de serem perseguidos pelo governo”, disse.
A professora conta que a cultura italiana é muito presente no distrito. “Os moradores têm costume de falar alto, casar entre eles e receber bem os visitantes”. A pesquisadora pode verificar que “os jovens entre 20 e 30 anos conhecem o dialeto, mas não falam, mas gostariam de aprender, pois acham bonito”.
Segundo Cominotti, que irá apresentar a pesquisa na Itália, o trabalho revelou que os moradores acham mais importante aprender a língua italiana do que a inglesa, em virtude da origem dos seus descendentes.
Um dado curioso da pesquisa mostrou que um dos moradores, hoje com 70 anos, falou o dialeto até seus oito anos de idade, mas até hoje ele preserva a linguagem em rodas de amigos. A professora verificou durante suas visitas no distrito que alguns moradores, principalmente os mais antigos, utilizam a linguagem italiana com os amigos, em conversas após as missas e celebrações dominicais na igreja, em xingamento nas lavouras e em outras ocasiões em suas residências, quando estão entre pessoas bem conhecidas.
“Infelizmente a cultura está se perdendo. Os moradores de São Bento perceberam há pouco tempo a importância da manutenção do dialeto. Eles mesmos se limitavam a usar fora do distrito, com medo de serem repreendidos. Sugiro políticas públicas para resgatarmos essa cultura tão importante para o nosso Estado”, finaliza a pesquisadora.
O vêneto ou veneziano é uma língua românica falada por cerca de cinco milhões de pessoas, principalmente na região do Vêneto, na Itália. A língua é chamada localmente de vèneto (veneto em italiano).