Giovana Schneider
Foto divulgação internet – Cobra Jararacuçu – Jararacuçu do Brejo, Papo Amarelo.
Teve uma época em que era grande, no meio rural, a variedade de espécies de cobras, e a quantidade encontrada era até maior que atualmente. Quando uma pessoa era picada ou “ofendida” por cobra, ela não era levada para o hospital, por ser distante, e, muitas vezes, também, por não haver um meio de transporte para a condução do paciente, e nem havia tempo hábil. Então, nesse caso, era chamado o curador de cobra, que tinha o conhecimento de como lidar com a situação, evitando-lhes o perigo do ofidismo. Para a cura, muitos usavam benzimentos, rezas e simpatias, mas, havia, também, o curador que possuía conhecimento de como utilizar o soro antiofídico (soro este, que trabalha para neutralizar o veneno que está no corpo do paciente, reduzindo seus efeitos e evitando mais danos). Usava uma seringa de vidro, que era fervida na hora (para esterilizar), e aplicava o soro. Na casa do curador, havia uma caixa com cobras, as quais eram, geralmente, compradas de lavradores que as capturavam nas lavouras. Essas cobras eram colocadas na caixa e, depois enviadas para o Instituto Butantan, em São Paulo, em troca do soro. E assim nasceu o nome “Caixa de Cobra”. Hoje em dia, o nome continua, mas, a conduta é diferente quando alguém é picado por cobra. Agora, o paciente vai para o hospital.
Aqui, vou contar um pouco desta história que é a de Soído de Baixo, em Marechal Floriano/ES.
Esta história vem de longe…
Em Soído de Baixo temos a Associação de Curar Mordedura de Cobra
Como funciona?
Cada associado contribui, anualmente, com 20,00 reais. A anuidade é por família, os filhos(as) tem a cobertura até adquirir a maioridade, depois começa a pagar separado. Filhos(as) com deficiência, continuam na dependência, independente da maioridade. Hoje, essa associação conta com 5.671 sócios, segundo o presidente Rafael Klein. Os benefícios para a vítima são: 1 salário mínimo vigente; 400,00 reais para a despesa com a viagem/combustível; e medicamentos para a recuperação, desde que o associado apresente a receita e a nota fiscal. E, em caso de óbito, a Associação ajuda a família com 5 salários mínimos do ano vigente. Em 2023, foram registradas 9 curas, mas, em anos anteriores, o número já foi bem maior, como em 2017, com 39 curas registradas.
O Hospital de Campinho/DM “Dr. Arthur Gerhardt” recebe doações desta Associação:
— 50 mil reais em equipamentos no ano de 2019;
— 100 mil reais em equipamentos no ano de 2022;
— 50 mil reais em equipamentos no corrente ano (a ser recebido ainda).
As reuniões acontecem no segundo domingo de janeiro de cada ano. Todos os assuntos são resolvidos em Assembleia.
Em 2022, aconteceu o primeiro óbito de um associado, o agricultor Fredolino Kempin, morador de Alto Galo, Domingos Martins. Ele foi picado por uma cobra da espécie jararacuçu. A associação, segundo o presidente Rafael Klein, cobriu todos os custos.
Quem pode se tornar sócio?
É uma associação aberta. Qualquer pessoa pode ser um associado, independente do município. Atualmente, os municípios mais atuantes são Domingos Martins e Marechal Floriano.
A atual Diretoria da Associação é composta por: Rafael Lauer Klein – Presidente, Hilário Littig – Vice-presidente, Ademilton Amorim Nepomuceno – Secretário e Lenil Stumm – Tesoureiro.
Fonte: Foto Câmara DM
A Associação de Curar Mordedura de Cobra de Soído de Baixo – MF recebeu um voto de reconhecimento e aplausos do Legislativo Municipal de Domingos Martins por meio da Moção nº 3/2024, pelos resultados positivos de um exemplar trabalho voltado ao beneficiamento das vítimas de ofidismo em nosso município e demais localidades. A homenagem, fruto de iniciativa do Vereador Abel Kiefer, Presidente da Casa — Câmara de Domingos Martins – 20/02/2024.
Antônio José Klein
Nasceu em 05 de fevereiro de 1931, filho de José Henrique Klein e Maria Luísa Kröhling. Casado com Maria das Chagas Klein. Desta união teve dois filhos e uma filha: Amarilio, Itamar e Marília. Era o irmão mais velho num total de 07 filhos. Foi tropeiro, lavrador e comerciante. Esteve presente quando foi fundada a Comunidade de Nossa Senhora Auxiliadora, isso no ano de 1969. Sempre teve uma participação ativa nas festas. Pessoa bastante conhecida e respeitada. Também desempenhava a função, com grande conhecimento, na cura das mordeduras de cobra, geralmente, com ótimos resultados. Salvou, assim, incontáveis vidas. Segundo relato do seu neto Rafael Klein, infelizmente, uma pessoa não teve muita sorte, e veio a óbito. Ele não sabe muito a respeito, só lembra que o seu avô falava do nome dele: “João mudo”. Não se recorda mais de quem poderia ser o indivíduo. Há, ainda, uma outra história, esta proferida pelo seu neto Júnior, irmão do Rafael. Ele contou uma situação vivenciada pelo seu avô e pelo seu pai. Eles estavam levando a caixa de cobra que seguiria viagem para o Instituto Butantan e, na BR, foram parados pela PF. Os policiais queriam abrir a caixa. O seu avô falou que era melhor não abrir. Eles insistiram. Então, ele achou melhor deixar. Quando abriram, deram de cara com as cobras. Assustados, falaram que podiam seguir viagem.
O senhor Antônio foi curador e presidente da caixa de cobra por mais de 50 anos, executando essa função com muita sabedoria. Ele veio a falecer no dia 19 de fevereiro de 2018.
Acima as seringas que o senhor Antônio Klein usava e, também uma foto ilustração de uma caixa de cobra.
Mercilia Maria Klein compartilhou uma experiência de quando morava em Soído de Baixo. Ela relata que aos doze anos foi picada por uma cobra e quem a curou foi o senhor Antônio Klein.
“O meu pai pagava a caixa de cobra. Num belo dia — isso na minha infância —, fui tentar subir no pé de goiaba. Na hora em que coloquei a mão na forquilha para subir, senti que uma coisa havia me picado. Achei que era uma formiga saúva, mas, quando olhei, vi uma cobra, não muito grande. Corri para casa e falei com minha mãe. Ela foi lá comigo, deu uma olhada e falou com minha tia para chamar o senhor Antônio Klein. Ele veio, olhou, a princípio achou que era marimbondo. Foi lá para ver se a cobra ainda estava no local, e estava. Com o jeito dele, a pegou, abriu a boca dela e viu que uma das presas estava vazia. Ele disse: ‘Foi a cobra sim. Vai pra casa, toma um banho e deita na cama. Vou em casa e depois volto — coisa de 30 minutos ou um pouco mais talvez’. Eu estava com 40 grau de febre. Ele chegou e mediu. Logo falou: ‘Vou ter que aplicar 4 soros nela, dois de cada lado’. E foi nas nádegas. Ferveu a seringa e aplicou. A agulha era enorme. Ficou lá em casa conversando com meu pai. Lá pelas 19 horas ele foi jantar. Quando voltou, colocou novamente o termômetro e eu ainda continuava com febre. Aplicou mais quatro. Em seguida, eu vomitei. A febre foi abaixando. O braço inchou muito, porque a picada foi na mão esquerda, no dedo mindinho. Segundo ele, foi o vômito que ajudou. Retornou para casa e pediu para chamar caso precisasse, que iria deixar a luz da sala acesa. No outro dia, cedo (clareando o dia), ele voltou. Só que não precisou mais usar (aplicar) o soro. Isso aconteceu em fevereiro de 1981. Seu Antônio saia, às vezes, longe para atender. Ficava na casa das pessoas e só voltava quando estava tudo bem” — concluiu Mercilia.
Presidentes desta Associação: Antônio José Klein, Amarilio José Klein e agora Rafael Lauer Klein.
Aqui em Marechal, teve outros curadores e também outras “Caixas de Cobras”. Coisas da época que se usava uma dose feita de ervas e/ou de raízes, que era dada para a pessoa que havia sido picada pela cobra. Tem uma matéria que saiu no jornal “Commércio do Espirito Santo” de 11/02/1897 a respeito da morte de Henrique Kieffer, que foi um curador de cobra. Assunto muito interessante. Existe a de Melgaço/DM. Enfim, daqui uns dias vai ter mais histórias…
Aguardem!!!
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4 respostas
Parabéns Geovana pela matéria! Sucesso em sua trajetória.
Wow! Eu era residente em Marechal Floriano por muitos anos e nunca ouvi falar sobre esta associação! Parabéns a todos os colabores e a Giovana pela divulgação! Espero que muitos se tornem colaboradores para que tbem o hospital seja beneficiado!
Maria Tschaen
Boston-USA
Matéria interessante. Quando morava no Vale da Estação meu pai era associado da Caixa de Cobra do senhor Domingos Cristh. É muito bacana esta doação que a Caixa de Cobra de Soido faz para o hospital de Domingos Martins. Parabéns a todos os envolvidos
Muito interessante!